Fabrício de Vargas Arigony Braga (1) - Ney Luis Pippi (2) - Kleber Gomes (3)
Marcelo Weiss (4) - Fabíola Flores (5) - Fabíola Dalmolin (3) - Douglas Severo (6)
Luciene Krauspenhar (7) - Alessandro Leotte (7)
RESUMO
A córnea, devido a sua localização externa e
exposta, está freqüentemente sujeita a traumas ou processos
lesivos como lacerações, perfurações e ulcerações, havendo, em
muitos casos a necessidade de correção cirúrgica. Os enxertos
pediculados de conjuntiva têm seu uso indicado nestes casos e
se prestam bem como medidas de proteção e suporte para as
ulcerações, porém impedem a capacidade visual plena do olho
afetado. Os transplantes lamelares são outra indicação de
tratamento, principalmente quando se deseja prevenir a
ocorrência da perda visual. Os adesivos de cianoacrilato foram
descobertos no final da década de 40, mas somente foram
utilizados em oftalmologia no início da década de 60. Devido a
propriedades como boa aderência aos tecidos biológicos, rápida
secagem e polimerização, têm sido indicados no tratamento de
úlceras profundas ou refratárias, descemetoceles e ainda em
pequenas perfurações corneanas. Com o objetivo de testar o
adesivo de cianoacrilato na fixação e manutenção de botões
córneo-lamelares autógenos e de enxertos pediculados de
conjuntiva em úlceras corneanas experimentais, foram utilizados
10 cães, machos ou fêmeas, provenientes do Biotério Central da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Após anestesia,
blefarostase e fixação do globo ocular como de rotina, foram
realizadas trepanações compreendendo 2/3 da espessura da
córnea sendo de 5,5mm de diâmetro no olho esquerdo (OE) e de
5mm no olho direito (OD). O botão lamelar resultante do OE foi
fixado no leito receptor do OD com o uso de adesivo ao longo
das bordas do enxerto e da córnea receptora. No olho esquerdo,
após sua confecção, o enxerto de conjuntiva pediculado foi fixado
à área receptora também por meio da colocação de adesivo sobre
suas bordas. Foi realizada avaliação oftalmológica diária
durante 30 dias. Os botões lamelares permaneceram fixados e
foram incorporados à córnea receptora. A técnica de fixação foi
de fácil realização, sendo rápida e de baixo custo com opacidade
leve em 20% dos casos e ausente em 80% e ausência de
vascularização aos 30 dias. Porém, houve 100% de deiscência
total nos enxertos pediculados. A técnica de ceratoplastia lamelar
autógena com o uso de adesivo de n-butil cianoacrilato pode ser
indicada como opção terapêutica nas úlceras profundas em cães.
Palavras-chave: úlcera, transplante, cola, cirurgia.
INTRODUÇÃO
A úlcera de córnea é uma das doenças
oculares mais comuns em cães, levando
freqüentemente à perda da visão (NASSISE, 1985).
A terapia medicamentosa é recomendada isolada ou
concomitante a procedimentos cirúrgicos em
ulcerações superficiais e profundas nos quais o
principal objetivo é o suporte mecânico e o cessamento
da destruição corneana (SEVERIN, 1976; SLATTER
& HAKANSON, 1998).
Os enxertos conjuntivais pediculados são
citados por muitos autores como procedimentos de
eleição em ulcerações profundas ou progressivas
(HAKANSON & MERIDETH, 1987; HAKANSON
et al., 1988; HABIN, 1995) sendo considerados de
fácil realização em relação a outros procedimentos
(LAUS et al., 1996; MARCHIONATTI, 1998). Suas
vantagens são principalmente a possibilidade de as
estruturas oculares ao redor do defeito poderem ser
inspecionadas e o estabelecimento de aporte vascular
de substâncias com efeito cicatrizante e inibidor da
colagenase (NASISSE, 1985; HABIN, 1995),
entretanto, o uso desta técnica freqüentemente está
relacionado com a perda da visão no local onde são
fixados (HAKANSON & MERIDETH, 1987).
Já as ceratoplastias lamelares, com seu uso
corriqueiro em medicina humana (ACEDO, 1992),
exibem na medicina veterinária algumas dificuldades
como a necessidade de material especializado e,
quando homólogas, demandam o uso de medicações
imunossupressoras e necessitam de doadores
(SLATTER & HAKANSON, 1998). BRIGHTMAN
et al. (1989) afirmaram que o uso de córnea autógena
sobrepõe estes últimos obstáculos. BERNIS, em 1980,
recomendou esta técnica para o tratamento de algumas
ceratopatias que impeçam parcial ou totalmente a
visão como nas ceratectomias profundas com
tendência à opacificação pós-operatória (COOK & PEIFFER, 1985). WILKIE & WHITTAKER (1997)
acrescentaram como indicações, o reparo de úlceras
não perfuradas ou pequenas perfurações, as
degenerações corneanas e a restauração da espessura
estromal.
Desenvolvidos inicialmente no final da
década de 40 (OLLIVIER et al., 2001), somente
em 1963 os adesivos de cianoacrilato tiveram seu
primeiro uso em oftalmologia (ELLIS & LEVINE,
1963). Estas substâncias são compostos líquidos,
transparentes, com alguma atividade antimicrobiana
(AWE et al., 1963; EIFERMAN & SNYDER, 1983;
QUINN et al., 1995) que quando em contato com
superfícies úmidas polimerizam em alguns
segundos, estabelecendo o processo adesivo
(GASSET et al., 1970; PAPATHEOFANIS &
BARMADA, 1993) e tornando alguns
procedimentos significativamente mais rápidos
(QUINN et al., 1997; TORIUMI et al., 1998;
PELISSIER et al., 2001). Apresentam graus
variados de histotoxicidade de acordo com o
número de carbonos presentes em sua fórmula
(quanto mais carbonos, menor a toxicidade) e com
a quantidade de adesivo dispensada para o
procedimento (ELLIS & LEVINE, 1963; REFOJO
et al., 1968; ARONSON et al., 1970; GARRIDO et
al., 1999).
Outros adesivos já foram testados em
oftalmologia como o adesivo de fibrina (VALERO
et al., 2001) e de silicone (REFOJO et al., 1968).
ROSENTHAL et al. (1975) usaram um composto
de plaquetas, fibrinogênio e trombina para a fixação
de enxertos lamelares corneanos em coelhos
obtendo 50 % de sucesso aos 21 dias de avaliação.
Em uma série de 49 ceratoplastias lamelares
autógenas e homógenas utilizando o cianoacrilato,
CARDARELLI & BASU (1969) consideraram
apenas 10 procedimentos como bem sucedidos,
porém observaram opacidade moderada em todos.
Em oftalmologia veterinária, os
cianoacrilatos não têm seu uso bem estabelecido,
tendo sido indicados para alguns procedimentos
como tratamento de ulcerações corneanas
refratárias (BROMBERG, 2002), tratamento de
pequenas descemetoceles ou pequenas perfurações
corneanas (WILKIE & WHITTAKER, 1997).
O presente trabalho teve como objetivos
avaliar o uso de um adesivo à base de n-butil cianoacrilato
(Vetbond®) na fixação e manutenção de botões córneolamelares
autógenos e de enxertos pediculados de
conjuntiva bulbar em úlceras corneanas iatrogênicas não
infectadas e avaliar a técnica utilizada para a realização
destes procedimentos.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados 10 animais, sendo sete
fêmeas e três machos, adultos, com pesos variando
entre 8 e 15kg, provenientes do Biotério Central da
Universidade Federal de Santa Maria. Após exame
clínico e oftálmico constituído pelo teste lacrimal de
Schirmer, oftalmoscopia direta e indireta, tonometria
por aplanação e fluoresceína, com vistas a verificar e
excluir animais portadores de qualquer alteração que
pudesse interferir com os resultados, foram
acondicionados em baias com ração e água ad libitum.
Previamente ao procedimento cirúrgico, os
animais foram banhados e submetidos à restrição
hídrica e alimentar de 12 horas. O protocolo anestésico
foi constituído de pré-medicação com uma associação
de citrato de fentanilaa (0,002mg.kg-1) e acepromazinab
(0,05mg.kg-1) administrada por via intra-muscular,
indução anestésica com tiopental sódicoc na dose de
12,5mg.kg-1 por via intra-venosa, intubação e
manutenção dos animais em plano cirúrgico com
halotanod vaporizado com oxigênio em sistema semifechado.
Foram instiladas duas gotas de colírio
anestésicoe em cada olho e realizado o bloqueio
retrobulbar utilizando-se 0,5ml de cloridrato de
lidocaínaf a 1% associado a 0,5ml de cloridrato de
bupivacaínag a 0,5% na mesma seringa. A profilaxia
antimicrobiana foi constituída de ampilicina sódicah
IV na dose de 20mg.kg-1 30 minutos antes da
intervenção cirúrgica.
Após os procedimentos de anti-sepsia com
PVPI diluído a 1% em solução fisiológica a 0,9%
estéril e delimitação do campo operatório, foi realizada
a blefarostase e fixação do globo ocular esquerdo com
o auxílio de duas pinças de Halsted curvas aplicadas
à conjuntiva bulbar nas posições de 10 e 4 horas.
Com vistas a obtenção de um botão lamelar
e da realização de úlceras experimentais, um trépano
de Castroviejo de 5,5mm foi aplicado de forma
penetrante, delimitando o botão constituído de epitélio
e aproximadamente 2/3 do estroma, excisado com
auxílio de uma lâmina de bisturi no15 e mantido em
uma gaze umedecida em solução fisiológica. Ato
contínuo, foi confeccionado um enxerto conjuntival
bulbar pediculado. A técnica teve início com uma
incisão na conjuntiva bulbar dorsolateral,
perpendicular ao limbo, com tamanho relativo ao do
defeito receptor. A posição desta incisão foi
aproximadamente em 3 horas, para que o pedículo
pudesse alcançar o defeito sem estar sob tensão. Uma
segunda incisão, paralimbal, foi realizada iniciando
na extremidade proximal da incisão perpendicular e
distando em torno de 2mm do limbo até 12 horas. Uma terceira foi realizada na outra extremidade da incisão
perpendicular sendo também paralimbal e estendida
até 12 horas, sendo levemente mais curta que a
anterior, com o objetivo de se preservar a largura da
base do pedículo e não prejudicar a vascularização do
mesmo. A dissecção final da conjuntiva foi feita com
tesoura de íris e uma pinça de Castroviejo mantendose
o pedículo o mais delgado possível, rotando-o
finalmente, até o local da lesão. A sua extremidade
distal foi modelada com auxílio de tesoura de íris para
se adaptar ao defeito corneano previamente realizado.
Aproximadamente 0,05ml de adesivo de n-butil
cianoacrilato (Vetbond®i) foi aspirado em uma seringa
de insulina que foi acoplada a uma agulha no 27G
angulada em 45° e sem a extremidade biselada. O
enxerto conjuntival foi colocado sobre o leito receptor,
quando se aplicou quantidade mínima necessária de
adesivo, distribuindo-o com a agulha angulada para
cobrir em torno de 2mm das bordas do enxerto e do
defeito (Figura 1a).
Utilizando-se os métodos de blefarostase e
fixação do globo ocular descritos anteriormente,
procedimento semelhante de produção da úlcera foi
realizado no olho contra-lateral, somente utilizandose
um trépano de Castroviejo de 5mm. Sobre a janela
resultante, foi colocado o botão lamelar coletado
anteriormente. Neste caso, o adesivo foi aplicado
sobre as bordas em coaptação, abrangendo um
segmento da córnea receptora e também do enxerto,
permitindo assim, sua fixação. À semelhança do
descrito anteriormente, o adesivo foi distribuído para
que se formasse uma camada fina sobre as bordas
(Figura 1b). Tanto no olho direito quanto no esquerdo,
prévio à aplicação do adesivo, a córnea foi seca com
auxílio de cotonetes estéreis.
Como terapia analgésica, Flunixim
megluminej na dose de 1mg kg-1 foi administrado por
via subcutânea no pós-operatório (PO) imediato e nos
dois dias subseqüentes à cirurgia. Como medida
profilática à infecção e ao espasmo ciliar, foi feita a
aplicação de pomada oftálmica antibióticak e
atropina 1%l, respectivamente, com intervalo de 12
horas em ambos os olhos até a verificação da
reepitelização pelo teste de fluoresceína quando estes
medicamentos foram trocados por uma associação de
antibiótico e corticosteróidem administrada na mesma
freqüência. Os animais foram mantidos com colar
protetor durante todo o curso do experimento.
Com auxílio de uma lupa e de uma lanterna,
o protocolo de avaliação oftalmológica consistiu na
realização do teste de fluoresceína diariamente até a
ausência de coloração, observando-se a presença do
adesivo e a reepitelização corneana. Também foram avaliadas as reações de fotofobia, blefarospasmo,
edema, transparência, neovascularização, uveíte e
secreção ocular (serosa, sero-mucosa, mucosa,
purulenta), quantificando-as segundo um padrão em
que: 0= ausente, += leve,++= moderada e +++=
severa. Aos 7, 14, 21 e 30 dias de PO, foram feitas
avaliações ao microscópio cirúrgico em aumentos de
16 e 40x. O animal foi sedado com uma associação
de citrato de fentanila e acepromazina nas doses e vias
citadas anteriormente e foram instiladas duas gotas
de colírio anestésico no saco conjuntival para facilitar
o exame. Ao final do período de avaliação, os animais
foram encaminhados ao serviço de adoção do Hospital
Veterinário da UFSM.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O adesivo Vetbond® é um adesivo a base
de n-butil cianoacrilato comercializado para uso em
Medicina Veterinária. Em oftalmologia já foi testado
de forma intralamelar e como tratamento de úlceras
experimentais em córneas de coelhos obtendo-se bons
resultados quanto a sua biocompatibilidade
(OLLIVIER et al., 2001), o que despertou interesse
para seu uso neste experimento.
A indicação de diversos procedimentos
cirúrgicos para o tratamento de úlceras corneanas é
justificada pelas particularidades de cada uma destas
técnicas, e pelas particularidades das próprias úlceras
quanto à sua causa e estágio de progressão. Diversos
autores citam os procedimentos de ceratoplastia
lamelar e enxerto conjuntival pediculado como
alternativas passíveis de serem executadas,
descrevendo também suas indicações (SEVERIN,
1976; BERNIS, 1980; COOK & PEIFFER, 1985;
HAKANSON & MERIDETH, 1987; HABIN, 1995;
WILKIE & WHITTAKER, 1997)
Para a realização dos procedimentos
cirúrgicos, os animais foram mantidos sob anestesia
geral inalatória como utilizado por LAUS et al. (1996)
e nenhuma intercorrência anestésica foi observada.
O uso de colírio anestésico objetivou a
suplementação do protocolo anestésico, melhorando
a desensibilização da córnea e conjuntiva aos
procedimentos cirúrgicos, à semelhança de
OLLIVIER et al. (2001) e BROMBERG (2002).
Ainda, o bloqueio retrobulbar permitiu a centralização
do globo ocular em todos os animais operados, o que
facilitou os procedimentos operatórios, conforme
citado por SKARDA (1996). WILKIE &
WHITTAKER (1997) recomendaram o uso de
bloqueadores neuromusculares para que esta condição
fosse atingida; porém, o uso destes fármacos demanda suporte ventilatório manual ou mecânico, não
necessário com a técnica utilizada. Outra vantagem
verificada foi a promoção de um retorno anestésico
mais tranqüilo por evitar a dor no período de
recuperação imediata. SKARDA (1996) citou alguns
acidentes que este tipo de técnica pode ocasionar como
injeção subaracnóidea, injeção intravascular e
absorção sistêmica do anestésico local, que não foram
verificados.
Os procedimentos de posicionamento, antisepsia,
proteção do campo operatório, blefarostase,
fixação do globo ocular e uso de instrumentos de
magnificação foram realizados a exemplo de
procedimentos oftálmicos realizados por outros
autores (HAKANSON & MERIDETH, 1987;
HABIN, 1995; MARCHIONATTI, 1998; OLLIVIER
et al., 2001).
SEVERIN (1976) e NASISSE (1985)
comentaram que defeitos corneanos de até 5mm de
diâmetro podem ter, em muitos casos, a sutura direta
como sua opção de tratamento, motivo pelo qual
foram realizadas trepanações de 5 e 5,5mm. Além
disto, SLATTER & HAKANSON (1998) e ACEDO
(1992) indicaram que o botão lamelar doador seja
0,5mm maior em diâmetro que a janela receptora,
para que ocorra maior aposição das bordas,
sobrepondo assim, a retração inerente a córnea
quando da sua obtenção. O seguimento desta
premissa permitiu que, nas ceratoplastias, o adesivo
liberado ao longo da união enxerto-receptor não
ficasse depositado entre e sim, sobre as bordas.
Segundo CARDARELLI & BASU (1969) os
adesivos de cianoacrilato inibem a progressão
epitelial e fibroblástica; VALERO et al. (2001)
afirmaram que esta inibição não é significativa
clinicamente, porém, aqueles autores verificaram em
seus transplantes, que em todos os casos falhos houve
interposição do adesivo entre as bordas, atuando
como uma barreira impermeável. No presente
experimento, em três animais, houve a interposição
do adesivo em mínimo grau, mas ainda atuando como
estímulo para neovascularização, blefarospasmo e,
à semelhança dos autores citados, impedindo a união
das bordas receptora e doadora enquanto presente.
Quando esta pequena quantidade foi retirada aos 21
dias, sob magnificação do microscópio cirúrgico
(Figura 1c), foram permitidos a reepitelização, o
desaparecimento do blefarospasmo e o cessamento
da progressão dos vasos formados, em 24 a 48 horas.
Segundo OLLIVIER et al. (2001) e
BROMBERG (2002), o blefarospasmo resolve-se em
48 a 72 horas devido ao aplainamento da superfície
rugosa da camada adesiva, o que foi verificado pela
diminuição dos sinais entre o primeiro e o quinto dia
de PO no restante dos animais operados.
Muitos são os autores que afirmaram ser a
maior resposta inflamatória incitada pelo adesivo, em
grande parte, relacionada com a quantidade usada
deste composto (ELLIS & LEVINE, 1963; REFOJO
et al., 1968; ARONSON et al., 1970; GARRIDO et
al., 1999). Procurou-se, assim, utilizar a gota
distribuída sobre as bordas tanto nos enxertos
conjuntivais quanto lamelares para minimizar essta
complicação. Nas ceratoplastias lamelares, a agulha
angulada foi usada para esta manobra, permitindo
maior controle no direcionamento da gota dispendida,
visto que esta é de baixa viscosidade sendo facilmente
dispersada sobre a córnea (ELLIS & LEVINE, 1963).
A opacidade foi ausente em tempos
variáveis de 2 a 21 dias de PO em oito cães (Figura
1d). Apenas dois animais ainda apresentavam
opacidade de grau leve aos 30 dias. BERNIS (1980)
obteve transparência total somente aos 60 dias de pósoperatório
em transplantes lamelares homólogos e
BRIGHTMAN et al. (1989) comentaram que até os
60 dias, nenhum transplante autógeno foi transparente
como a córnea receptora, existindo, ainda, cicatrizes
no local da sutura e margens do enxerto.
Figura 1 – a) enxerto pediculado de conjuntiva fixado com adesivo de cianoacrilato
- OE b) enxerto autógeno lamelar livre de córnea fixado com adesivo de
cianoacrilato – OD c) retirada de segmento de adesivo interposto às
bordas na ceratoplastia lamelar aos 21 dias sob aumento de 40X; notar a
falha na união entre as bordas d) enxerto autógeno lamelar livre de
córnea observado aos 21 dias de pós-operatório; notar o halo ao redor do
enxerto livre de córnea (setas).
No que se refere ao tipo e quantificação das
secreções observadas, a serosa foi evidenciada até o
quarto dia sendo compatível com os achados em perdas
de continuidade epitelial corneana (NASISSE, 1985),
estando presente até os 21 dias em um cão
apresentando maior quantidade de adesivo interposto
entre as bordas (cerca de ¼ do halo do enxerto).
Ao contrário dos pobres resultados obtidos
por CARDARELLI & BASU (1969) e
ROSENTHAL et al. (1975), 100% dos enxertos
lamelares foram incorporados ao leito receptor. O
tipo de adesivo e a técnica utilizada pode ter sido
fator determinante para o contraste entre os
resultados.
Nenhum cão apresentou sinais de
processo infeccioso ocular; este achado pode ser
justificado tanto pela profilaxia antimicrobiana
pré-operatória, realizada segundo as indicações
de RAISER (1995), quanto pelo uso de pomada
oftálmica à base de antibiótico durante o pósoperatório.
Também, o cianoacrilato, como
citado por EIFERMAN & SNYDER (1983),
possui propriedades bacteriostáticas devidas à
reação de ligações ativas da molécula de
cianoacrilato com a parede celular de bactérias
Gram +. Segundo este autor, isto não Gram +. Segundo este autor, isto não
acontece com bactérias Gram -
provavelmente pela existência de
uma cápsula lipopolissacarídica
externa à sua parede celular que
pode atuar como uma barreira às
ligações do cianoacrilato. Na série
de 49 transplantes realizados por
CARDARELLI & BASU (1969), não
foi utilizado antibiótico pósoperatório
verificando-se apenas um
caso de infecção; o autor justificou
este resultado pela presença do
cianoacrilato. Alguns autores ainda
consideram o adesivo de
cianoacrilato como autoesterilizante
(AWE et al., 1963).
QUINN et al. (1995) submeteram a
testes algumas amostras de um
adesivo de cianoacrilato utilizado na
rotina clínica de diferentes hospitais,
para verificar a presença de
contaminação após a abertura e
utilização do conteúdo dos frascos;
os autores não verificaram
resultados positivos. Nesta pesquisa,
como as quantidades dispensadas em
cada procedimento não excederam 0,1ml, não foi necessário o descarte do restante
do conteúdo do frasco de 10ml, tornando o
procedimento de menor custo.
Em todos os 10 olhos em que foi realizado
o enxerto pediculado de conjuntiva bulbar, houve
deiscência total nos períodos entre 2 a 8 dias de pósoperatório
com a reepitelização do leito resultante que
ocorreu em 12 a 21 dias e foram verificadas áreas de
opacidade variável nos defeitos. ELLIS & LEVINE,
em 1963, confeccionaram retalhos conjuntivais
fixados com adesivo de cianoacrilato cobrindo metade
da córnea e REFOJO et al., em 1968 transpuseram
diversos tipos de enxertos conjuntivais pediculados
sobre a córnea desnuda de seu epitélio fixando-os
também com adesivo; estes autores observaram que,
invariavelmente, alguns dias após os procedimentos,
ocorria o rompimento do filme adesivo com
conseqüente deiscência dos pedículos devido a sua
retração.
Segundo HAKANSON & MERIDETH
(1987) e HAKANSON et al. (1988), as principais
causas de deiscência dos enxertos conjuntivais
pediculados são: desbridamento corneano incompleto,
vazamento de humor aquoso, excessiva tensão e
angulação do pedículo maior que 45º em relação ao
eixo vertical. Neste experimento, em nenhum caso
houve a perfuração da câmara anterior e os pedículos
foram confeccionados de forma padrão com zero grau
de inclinação em relação à posição de 12 horas. O
defeito conjuntival resultante da dissecção do pedículo
não foi suturado por não apresentar sangramento
evidente, à semelhança de LAUS et al. (1996) e
MARCHIONATTI (1998). HAKANSON &
MERIDETH (1987) esclareceram que talvez não fosse
necessária esta sutura, mas a recomendaram para que
ocorra a estabilização da base do pedículo e melhor
cicatrização conjuntival. A retração inerente à
cicatrização por segunda intenção deste defeito, aliada
à retração do próprio pedículo, pode ter contribuído
para o estabelecimento de tensão no pedículo
conjuntival que sobrepôs a força de adesão do
cianoacrilato favorecendo a deiscência total; além
disto, o fato de o adesivo ter sido distribuído sobre as
bordas para que a presença de um filme adesivo mais
fino e com menor quantidade do produto evitasse
maior reação, pode ter contribuído para a insuficiente
adesão por haver mobilidade da conjuntiva durante
este procedimento.
HAKANSON & MERIDETH (1987)
estabeleceram que o epitélio deve ser removido 0,5 a
1mm ao redor da úlcera para permitir a adesão da
conjuntiva na técnica convencional e WILKIE &
WHITTAKER (1997) afirmaram que os adesivos teciduais não aderem bem ao epitélio corneano
sugerindo sua remoção prévia à aplicação do
cianoacrilato. Optou-se por não realizar este
procedimento para testar a capacidade adesiva sobre
o epitélio e para que o procedimento fosse de mais
fácil realização, o que pode ter contribuído, também,
para a deiscência dos enxertos.
PAPATHEOFANIS & BARMADA (1993)
definiram, como uma etapa vital na aplicação do
adesivo, a utilização de técnicas que permitam a
apresentação de superfícies adequadamente secas e
livres de contaminantes como o sangue, pois a água
difunde-se entre o adesivo e as camadas aderentes
rompendo sua junção, bem como a presença de lipídios
ou óleos diminuem acentuadamente a capacidade de
adesão. Neste experimento, a utilização de cotonetes
esterilizados, à semelhança de REFOJO et al. (1968) e
diferentemente de OLLIVIER et al. (2001) que usaram
esponjas de celulose, foi considerada fácil e eficaz na
preparação da córnea e conjuntiva. Deve-se lembrar
que a fricção sobre estas estruturas deve ser mínima
com o intento de se preservar as camadas epiteliais
superficiais.
O tempo médio de aplicação e polimerização
do adesivo para os enxertos conjuntivais foi de 4
minutos e 27 segundos e de 2 minutos e 36 segundos
para os botões lamelares. Não houve comparação entre
o tempo de aplicação do adesivo e de fixação dos
enxertos por sutura. Porém, existem diversos trabalhos
demonstrando que a realização dos procedimentos de
síntese tecidual com o uso de adesivos é
significativamente mais rápida do que com o uso de
suturas (QUINN et al., 1997; TORIUMI et al., 1998;
PELISSIER et al., 2001). Este fato é importante do
ponto de vista econômico, pela menor demanda de
anestésicos e de segurança do paciente que será
submetido a menor estresse anestésico.
A avaliação à luz da microscopia ótica
tornou-se desnecessária no tocante à reação da córnea
ao adesivo por existirem exaustivas pesquisas neste
tópico (ELLIS & LEVINE, 1963; REFOJO et al., 1968;
CARDARELLI & BASU, 1969; ARONSON et al.,
1970; GASSET et al., 1970; OLLIVIER et al., 2001;
VALERO et al., 2001). A reepitelização das bordas da
enxertia foi verificada através do teste negativo de
fluoresceína, como sugerido por NASISSE (1985).
CONCLUSÕES
O adesivo de n-butil cianoacrilato e a técnica
utilizada na sua aplicação podem ser usados
clinicamente para a fixação e manutenção dos botões
lamelares em ceratoplastias lamelares autógenas, desde que seguidas as premissas para sua utilização.
O n-butil cianoacrilato não é recomendado para a
fixação dos enxertos conjuntivais pediculados.
FONTES DE AQUISIÇÃO
(a) Fentanest®. Cristália. Itapira, SP
(b) Acepran 1%®. Univet S.A. São Paulo, SP
(c) Thiopentax®. Cristália. Itapira, SP
(d) Halothano®. Cristália. Itapira, SP
(e) Anestésico®. Allergan. Guarulhos, SP.
(f) Lidocaina 1%®. Cristália. Itapira, SP
(g) Bupivacaína 0,5%®. Apsen do Brasil. São Paulo, SP.
(h) Bipencil®. Instituto Biochimico Ltda. Rio de Janeiro, RJ.
(i) Vetbond®. 3M do Brasil. Sumaré, SP.
(j) Banamine®. Schering-Plough Veterinária. Rio de Janeiro, RJ.
(k) Epitezan®. Allergan. Guarulhos, SP.
(l) Atropina®. Allergan. Guarulhos, SP.
(m) Dexafenicol®. Allergan. Guarulhos, SP.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACEDO, J.T. Queratoplastia laminar. In: ______. Queratoplastias
y queratoprótesis. 2.ed. Barcelona : Edika-med, 1992. Cap.5,
p.65-128.
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(1) Médico Veterinário, Mestre, Doutorando, Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária (PPGMV), Laboratório de Cirurgia Experimental (LACE), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail:bragafa@hotmail.com. Autor para correspondência.
(2) Médico Veterinário, PhD, Professor Adjunto, Departamento de Clínica de Pequenos Animais, UFSM.
(3) Médico Veterinário, mestrando do PPGMV, LACE, UFSM.
(4) Acadêmico do Curso de Medicina Veterinária, UFSM. Bolsista do CNPq.
(5) Médico Veterinário, Mestrando em Anestesiologia, Universidade do Estado de Santa Catarina, Lages, SC.
(6) Médico Veterinário, Mestre, Doutorando PPGMV, LACE, UFSM.
(7) Médico Veterinário, Mestre, Autônomo.
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